" O presidente da câmara municipal arrumou sumariamente os documentos espalhados sobre a mesa de trabalho, na sua maioria eram já como se tivessem que ver com outro país e outro século, não com esta capital em estado de sítio, abandonada pelo seu próprio governo, cercada pelo seu próprio exército. Se os rasgasse, se os queimasse, se os atirasse para o cesto dos papeis, ninguém lhe viria pedir contas pelo que tinha feito, as pessoas agora têm coisas muito mais importantes em que pensar, a cidade, reparando bem, já não faz parte do mundo conhecido, tornou-se numa panela cheia de comida podre e de vermes, numa ilha empurrada para um mar que não é o seu, um lugar onde rebentou um perigoso foco de infecção e que, à cautela, foi posto em regime de quarentena, à espera de que a peste perca a virulência ou, por não ter mais a quem matar, acabe por se devorar a si mesma."
Excerto do livro " Ensaio sobre a Lucidez" - JOSÉ SARAMAGO
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